A falsa obrigatoriedade da cesariana em partos de gêmeos 

Descobrir uma gestação de gêmeos costuma trazer uma enxurrada de sentimentos e também muitas opiniões externas. Uma das frases mais ouvidas por mães grávidas de gêmeos é: “Você sabe que vai ter que fazer cesárea, né?”. Essa ideia de que o parto gemelar precisa, obrigatoriamente, ser cirúrgico, é um mito que persiste há décadas e que ainda influencia muitas decisões médicas e familiares. No entanto, a ciência mostra que essa visão não é absoluta. Nem todo parto de gêmeos precisa ser cesárea, e o que define o risco é o contexto da gestação, e não apenas o número de bebês. 

Historicamente, a cesariana passou a ser associada aos partos gemelares porque, durante muito tempo, acreditava-se que era a forma mais segura de evitar complicações para a mãe e para os bebês. De fato, em determinados cenários clínicos, a cirurgia é a escolha mais indicada. Porém, estudos recentes apontam que o parto normal de gêmeos é possível e pode ser tão seguro quanto a cesárea, desde que sejam respeitadas condições específicas da gravidez e que haja uma equipe capacitada para conduzi-lo. 

A posição dos bebês é um dos fatores mais importantes para a decisão sobre a via de parto. Quando o primeiro bebê está em posição cefálica, ou seja, com a cabeça para baixo e mais próxima da saída do útero, há grandes chances de o parto normal acontecer de forma segura. Já se o primeiro bebê está sentado (posição pélvica) ou atravessado (posição transversa), a cesárea pode ser indicada para evitar riscos. Outro fator determinante é a saúde materna. Mulheres com condições clínicas como pré-eclâmpsia grave, placenta prévia ou doenças cardíacas geralmente têm a cesárea como recomendação médica. 

Um dos maiores estudos sobre o tema, o Twin Birth Study, publicado no New England Journal of Medicine em 2013, acompanhou mais de 2.800 mulheres grávidas de gêmeos em diversos países. Os resultados mostraram que, quando o primeiro bebê estava em posição cefálica e a gestação ocorria entre 32 e 38 semanas, não houve diferença significativa entre os desfechos de partos normais e cesarianas em relação à saúde materna e neonatal. Isso significa que, nessas condições, o parto normal pode ser tão seguro quanto a cesariana. 

Apesar dessas evidências, as taxas de cesariana em gestações gemelares continuam muito altas em vários países, inclusive no Brasil. Dados do Ministério da Saúde apontam que mais de 80% dos partos gemelares no país são realizados por cesariana, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça que o número não deveria ultrapassar 15% do total de nascimentos. Essa discrepância mostra que ainda existe uma cultura médica intervencionista e uma forte crença social de que o parto normal de gêmeos é sempre arriscado. 

O parto normal gemelar, quando bem indicado, oferece diversos benefícios. A mãe se recupera mais rápido, há menor risco de infecção e complicações cirúrgicas, além de uma maior possibilidade de contato imediato com os bebês e de início precoce da amamentação. Já a cesárea, embora seja um recurso fundamental e salvador em muitos casos, envolve riscos como hemorragia, infecção, trombose e complicações em gestações futuras. É por isso que especialistas defendem que a via de parto deve ser decidida de acordo com o quadro clínico, e não de forma generalizada. 

Outro ponto essencial é a experiência da equipe obstétrica. Médicos e hospitais com prática em partos gemelares tendem a oferecer mais segurança para que o parto normal ocorra quando viável. Além disso, uma estrutura hospitalar adequada, com centro cirúrgico disponível em caso de necessidade de conversão para cesárea, é fundamental. Essa preparação permite que, mesmo em um parto normal de gêmeos, a mãe e os bebês tenham suporte rápido se surgir alguma intercorrência. 

A autonomia da gestante também deve ser valorizada nesse processo. Quando a mulher tem acesso à informação de qualidade, pode participar ativamente da decisão sobre sua via de parto. O diálogo com o obstetra é indispensável para que dúvidas sejam esclarecidas e expectativas alinhadas. Entender que o parto de gêmeos não é sinônimo automático de cesárea é um passo importante para combater a desinformação e devolver às mulheres o direito de escolha consciente e segura. 

Em resumo, a falsa obrigatoriedade da cesariana em gestações gemelares é um mito que precisa ser desconstruído. O que determina o tipo de parto não é simplesmente o número de bebês, mas o conjunto de fatores clínicos, a posição fetal, a saúde materna e a experiência da equipe médica. A cesariana continua sendo uma ferramenta indispensável e, em alguns casos, a mais indicada; no entanto, não deve ser a primeira e única opção diante de uma gestação de gêmeos saudável e sem complicações. 

Referências bibliográficas 

  • Barrett JF, Hannah ME, Hutton EK, Willan AR, Allen AC, Armson BA, et al. (2013). A randomized trial of planned cesarean or vaginal delivery for twin pregnancy. New England Journal of Medicine, 369(14), 1295–1305. 
  • Ministério da Saúde. Pesquisa Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 2014. 
  • Organização Mundial da Saúde (OMS). WHO Statement on Caesarean Section Rates. World Health Organization, 2015. 
  • American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Practice Bulletin No. 231: Multifetal Gestations: Twin, Triplet, and Higher-Order Multifetal Pregnancies. Obstetrics & Gynecology, 2021.